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O DIA EM QUE OS CELULARES TOMAREM O PODER


Tudo começou naquele dia que não resisti mais e comprei aquele supercelular. A princípio estranhei  e fiquei meio assim com medo de tanta coisa naquele aparelhinho pequeno mas cheio de cores e luzes, mas aos poucos fui me maravilhando com as traquitanas que não parava de descobrir ao toque dos dedos.

E aí começou aquele vício de levar o danado para lá, para cá, banheiro, praia, carro, o bicho eletrônico foi tomando cada vez mais espaço.

E um dia, não importa quando, acordei com uma vozinha metálica perturbando:
- Bom dia, Senhor, está na hora. Nossa programação do dia começa agora.

Pensei: “Como assim está na hora? Nada mais humano do que adiar por mais alguns minutos, deixar pra lá e dormir, ou desligar de vez o troço, simples...”

A máquina insistiu nos segundos seguintes, isso mesmo, não esperou nem um minuto, procurei então o botão de off rapidamente.

- Não adianta, você mesmo me programou para não ser desligado. E anda logo, já estamos 118 segundos atrasados na nossa programação.

- Como assim!!! falei alto. Não programei p* nenhuma !!!(a esta hora da manhã não controlo bem o que falo)

- Senhor, isso faz parte do programa de nosso aproveitamento máximo de tempo, lembra? Tudo combinado e discutido de forma racional por você mesmo. Otimização de agendas e tarefas. Atividade intensificada com desperdício evitado.

Ainda meio tonto levantei e obedeci às ordens daquele chato enquanto pensava melhor. Num impulso tentei arrancar a bateria do bicho e tomei um choque.

- Já previa esta tentativa, Senhor. Fique calmo. Espera aí que eu vou atender uma chamada.

Ouvi alguns zumbidos e vibrações de dentro do aparelho e não entendi nada. Quando a luz piscou lá veio a voz de novo.

- Pronto, podemos prosseguir. Temos sete minutos para tomar banho, comer alguma coisa e sair para a academia exercitar o organismo.

Ainda tonto, perguntei:
- Com quem você estava falando? Desde quando celular atende ligação?

- Eu atendi pelo senhor. Também combinamos isso. Digitalizei sua voz e filtro todas as chamadas. Era sua tia de novo perguntando como mexer no controle remoto para ligar a televisão. Já resolvi o problema. Só passarei as ligações prioritárias.

 “Cara onde me meti. Devo estar sonhando, só pode ser isso. Preciso arruma uma forma rápida de acordar.”

A traquitana apitou:
- Senhor, não se estresse, isso é verdade, não é sonho nem pesadelo.

- Como assim? Eu não disse nada, só pensei.

- E precisa falar? Já tenho um software de reconhecimento facial e um banco de dados com todas as suas reações costumeiras. Você é muito mais previsível do que parece. E não olhe para mim com essa cara de que vai chamar sua noiva para resolver isso. Ela também está sob controle. Portanto cale-se e vamos às tarefas do dia.

Fiquei tão chocado e deprimido que acabei cumprindo tudo o que o celular me dizia. Passei o dia sem decidir nada, só  recebendo ordens e executando. E por ironia, fui elogiado pelo meu chefe, que disse animado que nunca tinha me visto  tão produtivo.

Isso me irritou profundamente. Estranhei também que no café os colegas só falavam de trabalho, no almoço de técnicas avançadas de logística, administração e aplicações financeiras...  Cadê aquela conversa jogada fora, futebol, mulheres, piadas, conversa fiada, besteirol?

No fim do dia estava exausto de tanta objetividade e organização. E meu smartdono tentando me arrumar alguma coisa para relaxar. E eu sem conseguir bolar uma única ideia decente para me livrar desta parafernália sanguessuga.

Foi aí que minha mãe apareceu e entrou em casa (é claro que ela tinha a chave):
- Como é que você fica uma semana sem falar comigo! Que absurdo! E essa casa que está um horror de sujeira! Cadê aquela imprestável da sua noiva!  Olha só essa pia que coisa! Só não vim antes porque minha artrite estava me pegando e você nem para me ligar. E aqui só caía naquela porcaria de secretária eletrônica. E aquele teatro que você me prometeu levar? E as compras do supermercado que você sempre prometeu fazer? E as aulas do computador que só comprei por sua causa ...

E o celular vibrando , processando, eu percebendo pelo canto dos olhos que o bicho não conseguia processar todas as coisas a tempo. E ela falava sem parar. E eu não consegui nem dizer socorro, fiquei mudo e paralisando imaginando o que a coisa eletrônica ia aprontar para ela. Mas ela falava tanto que eu vi que o celular inteligente estava também dando umas engasgadas.

Foi quando ela viu a coisa e apontou:
- É isso, é culpa deste aparelhinhos infernais, vocês só querem saber dessa tal de internet! Vocês jovens estão sendo sugados por isso e não sabem!

Ela andou decidida em minha direção,  com raiva e num segundo pegou a máquina e lançou na privada:
- É isso que estas coisas malditas merecem!!

E deu a descarga.
E assim lá se foi um smartphone que jamais poderia entender o que significa uma mãe na vida gente...

p.s.: Prepare-se para o futuro. Tenha um banheiro com uma boa descarga e uma mãe dedicada.

; )
@robertotostes

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